quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O MENINO DA JANELA

Da janela do seu quarto, Alberto via o centro do Rio de Janeiro e notava algo diferente. O trânsito no Centro parou por causa da tempestade que caía em toda cidade. Da Zona Norte a Sul ninguém andava um metro. O metrô seria uma opção para levar às casas todas aquelas pessoas que saíram cedo para dar continuidade ao seu cotidiano agitado e corrido, mas este também parou. Parado na janela do seu quarto, Alberto via o caos que estava prestes a começar e mudar a vida de milhares de pessoas, assistindo do alto das ladeiras de Santa Tereza a chuva cair torrencialmente e as pessoas abandonando seus carros e os ônibus, colocando ainda mais desordem para desespero das autoridades que tentavam controlar a enchente daqueles que não sabiam o que fazer. Fazia muito calor durante o dia e o céu estava azul com o sol brilhando e os banhistas lotando as praias cariocas. Alguns aproveitavam que era véspera de feriado e tentaram atravessar a ponte, a qual também estava parada. Ninguém chegava a Niterói nem de carro nem de bolsa, porque todas estragaram. - Estragou o feriado! - Disse Alberto a sua vizinha que estava no terraço da casa dela lavando roupa. - Lavar roupa te vendo aí sentando na janela me dá medo. - Respondeu a vizinha dele, Aline. - Aline, minha vizinha, medo me dá ver aquelas pessoas sem saber para onde ir. Imagina o que não está acontecendo lá. - lá? Não vejo nada. O que você vê? - Perguntou Aline sem parar de lavar roupa. - A roupa no varal tampa a sua visão. Está virando um caos. Eu vejo muito mais coisa do que pensa. - Eu penso que você está há muito tempo nesta janela e daqui a pouco você vai cair. - Caindo está é o céu. Verá que, quando esta chuva passar, a lua estará maior e mais próxima de nós. Mas parece que não vai passar. Veja lá no centro, já não tem mais luz na cidade. Daqui a pouco não teremos energia aqui também. Nem a Catedral está colorida. - Coloridas vão ficar as minhas roupas, porque você está tirando a minha atenção e acabei misturando todas elas. Deixe-me trabalhar agora. – Disse Aline. Aline pegou um lençol da máquina de lavar colocando-o no varal, impedindo que Alberto a visse, assim eles não poderiam mais conversar e ela continuaria em paz o seu trabalho. - Trabalhe enquanto tem água e luz na sua casa. - gritou Alberto, mas ela não podia mais escutá-lo. - Aqui já não tem luz. A luz da cidade, para Alberto, já teria acabado em todos os bairros, imaginando o que estava acontecendo além da sua janela. Não via nada, só o centro da cidade que estava ainda mais cheio. Mais pessoas iam para a Avenida Rio Branco, e como ela já não suportava tamanho volume humano, as pessoas espalhavam-se pelas outras ruas estendendo-se até a Lapa. Provavelmente algumas já estavam na Baía de Guanabara caindo na água contra as suas vontades. - Vontade eu tenho de descer até lá. - Disse Alberto a outro vizinho, o Alemão, que morava um andar abaixo e estava na varanda dando banho no cachorro. - O cachorro não gosta de você. Viu como ele ficou inquieto ao ouvir a sua voz? - Respondeu-lhe. - Responderei latindo para que ele que possa ouvir com mais atenção o grito das pessoas. Em breve todas entrarão pela tubulação. Você não viu? - Se vi? Vi o quê? Só vejo você sentado nesta janela. - Da minha janela a vista é privilegiada. Eu vejo muito mais do que você. - Você vai cair daí. – Disse Aline puxando uma ponta do lençol, permitindo que ela veja Alberto novamente. - De novo você vem falar comigo? Não tinha que terminar de lavar a sua roupa? - As roupas já estão lavadas e todas penduradas. - Penduradas estão as pessoas lá no centro. Subiram umas sobre as outras. Subiram sobre os carros e agora gritam. Será que não vai parar de chover? Vou gritar para o vizinho lá de baixo para saber se ele consegue ver melhor. - É melhor você entrar. É maluco. Há muito tempo está sentado aí olhando para o Centro e, quando você menos perceber, estará caído aqui na minha casa. No chão! - disse o Alemão. - Alemão, qual a raça do seu cachorro? - Meu cachorro é um Pastor. Ainda é novo, mas se cair aqui ele vai te morder. - Não mordia nem uma borboleta que estava pousada sobre o corpo logo cedo enquanto ele descansava tomando sol. Não vai me morder. - Morderá desta vez. Está crescendo. - Crescendo! Percebo o tumulto crescendo. Isso sim. Já volto a falar com seu cachorro e nos entenderemos. Agora preciso me certificar de uma coisa. - Alberto se inclina para fora da janela sem medo da chuva, para que a sua voz ecoasse muito mais longe do que o habitual para falar com Álvaro, uma criança que morava três prédio à frente do dele ladeira abaixo. – Álvaro! - gritou. – Você consegue ver o centro daí da sua janela? Como a janela do quarto de Álvaro estava fechada, o jovem menino não conseguiu ouvir os gritos de Alberto que persistiu gritando. Queria falar com a criança de qualquer jeito. Não aceitava a forma como as pessoas que moravam na sua vizinhança tratavam despercebidamente aquela confusão. A confusão feita por Alberto, gritando desesperadamente da sua janela, ansiando algum contato com Álvaro, despertou a ira de uma senhora que morava sobre o seu apartamento. Por causa da idade, sempre antes do noticiário a senhora tentava dormir. - Dormir! Dormir! Não posso nem dormir? Estou tentando dormir e com os seus gritos é impossível. – Sem abrir a janela, gritava a senhora. - A senhora tem uma vista boa aí da sua janela? - A minha janela não tem vista nenhuma. Está fechada. Mas seus gritos conseguem passar por qualquer buraco. - Um buraco! Será que vão todos cair num buraco que se formou no Aterro do Flamengo? A areia cedeu. A multidão já se estende até o Botafogo e não tem para onde ir. Tem que ver lá no Centro, a chuva estragou tudo. - Tudo o que eu lhe peço é para parar de gritar. Se quiser falar com o Álvaro, ligue para ele. Use o telefone. - Mas o telefone dele eu não tenho. - Tenho certeza que conseguirá. - Mas não consigo ligar para ninguém. Até o sinal dos telefones pararam. É um caos lá embaixo e já chegou aqui. - Aqui, rapaz da janela. - gritou um mineiro desconhecido que acabou de se mudar para o Rio de Janeiro. – Estou tentando estudar e a bagunça que está fazendo não me deixa concentrar. - Concentra-se nas vozes que já chegam até o Cristo. Pedem iluminação e menos água. Os carros não andam, não tem luz, não tem água nas casas e não tem telefone. É feriado amanhã e ninguém atravessa a ponte. As bolsas pararam. - Pare de gritar e logo você verá que tudo voltou ao normal. - À normalidade têm que voltar as pessoas lá de baixo. O Álvaro saberia me dizer o que se passa no centro. Preciso falar com ele. - Ele não quer te ouvir. - Disse o Alemão. - Alemão, ouço seu cachorro latir e isso me incomoda. Não quero mais falar com vocês. Não conseguem ver o que se passa no Centro espalhando-se como uma enchente por toda a cidade? A chuva estragou tudo. Os Arcos da Lapa já estão tomados por pessoas penduradas. Um buraco se formou no Aterro e os prédios pegam fogo em Botafogo. E daqui não vejo nada, nem Copacabana. Os banhistas devem ter se jogado no mar e foram carregados pela correnteza. A Candelária fechou as suas portas. E eu não vejo tudo. Só vejo o centro da cidade. - A cidade continua a mesma. É você que fica muito tempo aí na janela. - Disse o mineiro. - Mineiro, de onde você vem não consegue ver além das montanhas. Agora quer me dizer o que eu vejo da minha janela? A janela do quarto de Álvaro foi aberta enquanto eles discutiam sobre o tumulto que Alberto estava causando. - A causa de todo o transtorno já foi descoberta, Alberto. - Gritou o Álvaro da janela dele. – Estive acompanhando tudo por um buraco que tem na minha parede. A chuva já vai passar. - Passe aqui em casa para nós conversarmos sobre isso. - Respondeu Alberto aos berros. – A enchente vai atingir a sua casa e poderá observar a cidade comigo. Não tenha medo porque te ensinarei a ver como eu a vejo. A vista é linda. Pode vir que há espaço para você na minha janela. A janela de Alberto nunca foi fechada e ele sempre esteve lá sentado olhando o centro do Rio de Janeiro. Ele costumava sair de casa sem tirar da sua frente a vista que ele tinha, e , assim, ele descia os morros de Santa Tereza; depois daquele dia chuvoso e caótico, porém, não saiu mais de lá.

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